Da série #REC [Recuperando Empoeiradas Críticas], mais uma resenha, hehehe. Desta vez sobre o filme Drive, do qual eu sou fã inveterado, admito.
Ovacionado em pé no célebre Festival de Cannes de 2011. Vencedor da categoria de melhor diretor na mesma premiação. Catalisador de elogios da crítica a Ryan Gosling, ator que encarna o protagonista. Exagero ou merecimento? Filme de ação com gangters ou cult artístico? Todas essas dúvidas são algumas das sementes que o filme Drive (2011), do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, tem germinado no peito dos amantes de cinema.
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Cartaz do filme |
O que há de se destacar é que eco e a barulheira florescidos ao redor do filme são justamente o oposto do que mais maravilha o espírito de quem o assiste. É o silêncio abrasador, que ora angustia o espectador, ora potencializa a beleza das cenas, o responsável pela irresistível sedução que a trama suscita.
A obra é fruto do livro homônimo de 2005 de James Sallis e tem um roteiro sem reviravoltas mirabolantes. No filme, o Motorista (Gosling) é um sujeito cujo nome nem ao menos é mencionado e que mantém uma vida dupla (ou até tripla). Quando não está na oficina do patrão e agente Shannon (Bryan Cranston), é dublê de filmes de ação pela manhã e dirige carros na fuga de criminosos durante a noite.
Aos poucos, o Motorista se apaixona pela vizinha casada Irene (Carey Mulligan), que mora apenas com o filho pequeno enquanto o marido está na prisão. A vida se complica quando o esposo é liberto e chantageado pela máfia a pagar uma dívida. Para proteger a família, o altruísta galã é capaz de abdicar do romance ainda não concretizado e decide ajudar o outro em um crime final. Mas nem tudo sai de acordo com os planos, e o Motorista, Irene e a criança se veem mais afundados em perigos.
Na atual fase do cinema de ação, em que, para fazer sucesso, explosões, tiros, lutas, perseguições e sexo devem surgir em abundância, Drive se destaca justamente por nadar contra a maré. Os sequiosos por nudez se decepcionarão. Entre o anti-herói e a mocinha, o público só irá ver um pudico beijo. Já para aqueles que desejam ver sangue, talvez o desapontamento seja menor.
Refn consegue dosar bem no teor violento de Drive. São poucas as cenas que contêm lutas e sangue. Algumas, inclusive, são marcadas pela sutileza, como uma em que há um duelo entre sombras no asfalto. Em compensação, quando a violência dá a honra de aparecer na tela, revela-se de forma brutal e crua. É quando o diretor combina o sutil com o explícito o momento em que se chega ao nível máximo de beleza estética. O resultado se materializa na queridíssima cena do elevador, combinada com o único beijo do filme, o que deixa a todos extasiados.
Drive também é marcado pelo contraste de uma urbe perdida em diferentes épocas, reflexo da atual tendência de produtos culturais reviverem antigos passados, munidos de novidades tecnológicas. Desde os créditos em letras cursivas cor de rosa choque, passando pela jaqueta prateada com escorpião dourado do Motorista, e coroada com a trilha sonora repleta de sintetizadores eletrônicos, a aura dos anos de 1980 se infiltra em todo o decorrer do filme (destaque para Under Your Spell, da banda Desire, na cena abaixo). Ao mesmo tempo, celulares de última geração usados por prostitutas surgem na trama, o que cria uma paradoxa sensação de atemporalidade.
Apesar da riqueza dos elementos já mencionados, tudo isso se esvanece ao magistral uso da quietude que o diretor lança mão. Aproveitando-se do soturno personagem central, que impressiona pela ausência de palavras, Refn se utiliza do silêncio para intensificar os sentimentos que o filme traz à tona.
A beleza das cenas não está limitada em diálogos inverossímeis, como em filmes do endeusado diretor estadunidense Quentin Tarantino. Nada é proferido de graça. Aquilo que não é possível de se dizer, o ator Gosling dá vida e força com sua interpretação.
É a ausência de sons nos momentos decisivos que constitui o pomo de ouro do filme. Só quem se angustiou com o silêncio aterrador do um minuto de cena final, com close up do imóvel Motorista, é capaz de entender que a beleza do filme não está naquilo que foi dito, e sim no que Refn deixou para ser sentido e vivenciado.
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