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Foto: Tamara Lopes |
Assim se inicia a peça Além dos Cravos, do grupo teatral Em Foco. O enredo não trata de qualquer história específica. Antes disso, costura com a linha da teatralidade trechos narrativos às vivências dos espectadores. Sim, esta não é a típica peça interpretada no palco italiano, em que há a clara divisão entre os atores e o público. Em Além dos Cravos, todos acabam sendo protagonistas e ao mesmo tempo espectadores ante o tema comum a qualquer ser humano: a efemeridade da vida.
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Foto: Tamara Lopes |
Mercantilização da morte, suicídio, saudade dos entes amados, dores lancinantes, resignações serenas. Tudo isso tratado com muita sensibilidade e, em momentos certos, com um toque de humor. A cada cena, questionamentos são plantados e nos fazem rever relação que temos com a morte. Por que vivemos numa sociedade que idolatra tanto a vida e se silencia sobre a morte? Por que esquecer aquilo que não se pode apagar? Quando nos vamos "para o outro lado", realmente “vamos”? Ou viramos fantasmas sentados nos túmulos, observando a vida passear?
Os diversos elementos cênicos traduzem a suavidade e a delicadeza com que o tema é tratado. Coroas de flores pairam sobre as cabeças dos atores ou botões de violetas de plástico se enroscam em suas roupas. Os tons lilases do figurino amenizam o preto e branco dos trajes e das galochas. Mesmo a morte, caracterizada como homem, materializa-se em gazes que dão leveza aos movimentos. A água, utilizada em várias cenas, ora corre, ora se represa, transformando-se em ponte fluida entre os vivos e os mortos.
Nas ruas do cemitério
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Foto: Tamara Lopes |
O ambiente inusitado é outro atrativo. Não só pela beleza do São João Batista (nunca antes conhecida por mim), mas pela própria aura de mistério que ronda o lugar. As cenas transcorrem em uma das tantas “ruas” que cortam o ventre do cemitério, prenhe de mausoléus luxuosos que dividem espaço com lápides mais singelas, empalidecidas pelo tempo. No cortejo que se forma com a peça, vemos vidas passadas traduzidas em cruzes, datas, flores, cimento. O vento corre e sacode as árvores com um murmúrio. Entre uma lápide e outra, "fantasmas" contemplam os vivos em procissão.
Aliás, atuar em “palcos” nada convencionais é a proposta de pesquisa do Em Foco. Além dos Cravos é o terceiro espetáculo do grupo, que desde 2009 já montou Preciso dizer que te amo, Jardim das Espécies e algumas outras esquetes e performances. No cerne de cada trabalho está o relacionamento direto com o público, que deixa o voyeurismo de lado e se envolve com aquilo que é apresentado. Em Além dos Cravos, o público é convidado compartilhar de memórias sobre a morte. Até os atores se abrem um pouco e inserem na interpretação lembranças próprias.
Por isso, essa relação até se complica quando há um grande número de espectadores (como na apresentação em que fomos) e muitos detalhes das cenas se perdem. Mas sempre é bonito ver a quantidade crescente de pessoas abertas ao teatro. Não foi raro perceber, mesmo entre uma distração e outra do público, pessoas se emocionando e/ou compartilhando dos sentimentos das falas.
O sol vai se pondo. E nós, em cortejo, perseguindo até a última luminosidade, chegamos aos fundos do cemitério. Como a vida, aos poucos, a tarde vai se desfazendo e dá últimos suspiros. Com giz, o público é convidado a deixar um recado final gravado no chão. É aí que refletimos principalmente sobre os nossos próprios entes queridos que já morreram. Como estarão? Devemos preservar o vazio deixado por eles? Ou devemos alimentar o oco com as lembranças que nos são tão caras? Pensamentos que ecoam durante a caminhada de volta para a entrada e que não encontram respostas definitivas, enquanto observamos as flores e a poeira dos túmulos que ali permanecem.
Por isso, essa relação até se complica quando há um grande número de espectadores (como na apresentação em que fomos) e muitos detalhes das cenas se perdem. Mas sempre é bonito ver a quantidade crescente de pessoas abertas ao teatro. Não foi raro perceber, mesmo entre uma distração e outra do público, pessoas se emocionando e/ou compartilhando dos sentimentos das falas.
O sol vai se pondo. E nós, em cortejo, perseguindo até a última luminosidade, chegamos aos fundos do cemitério. Como a vida, aos poucos, a tarde vai se desfazendo e dá últimos suspiros. Com giz, o público é convidado a deixar um recado final gravado no chão. É aí que refletimos principalmente sobre os nossos próprios entes queridos que já morreram. Como estarão? Devemos preservar o vazio deixado por eles? Ou devemos alimentar o oco com as lembranças que nos são tão caras? Pensamentos que ecoam durante a caminhada de volta para a entrada e que não encontram respostas definitivas, enquanto observamos as flores e a poeira dos túmulos que ali permanecem.
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Foto: Tamara Lopes |
Serviço
Para os que ficaram curiosos, este final de semana será o último de apresentação de Além dos Cravos. A temporada da peça se encerra neste sábado (27/07) e domingo (28/07), às 16 horas, no Cemitério São João Batista (R. Padre Mororó, 487 – Centro). A entrada é gratuita. Para conhecer mais sobre o grupo, visite a página do grupo no Facebook. Para conhecer um pouco mais sobre a história do Cemitério, confira no blog Fortaleza Nobre.
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