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Ilustração: Olaf Hajek |
Seja como forma de exorcizar demônios internos, fugir da realidade ou se perpetuar para além da existência material, todo bom contador de histórias não pode deixar de lado uma coisa chamada empatia. É ela que vai aproximar a narrativa do interlocutor. Como explicar a conexão que criamos com personagens como o robô Wall-e, o peixinho Nemo ou mesmo a Morte, narradora do romance “A menina que roubava livros”? Todos estes personagens foram construídos com características e sentimentos humanos, sejam eles bons ou ruins. Afinal, não nos envolvemos apenas com os mocinhos. Os antagonistas são a razão de uma história existir, pois o conflito é a base de tudo.
Contar histórias sempre esteve na moda. O ser humano sempre procurou ressignificar sua realidade através de narrativas, desde a época das pinturas rupestres. Da literatura ao videogame, uma história pode estar presente nos mais diversos meios e formatos. E não há aquele que não se deixe envolver por uma trama bem amarrada. No entanto, o que seriam das histórias sem os responsáveis pela sua perpetuação? No fundo, somos todos contadores de histórias, mas há sempre aqueles que colocaram essa função como ideal de vida.
É o caso do estudante de Publicidade e Propaganda Pedro José Brandão, que resolveu jogar todos os antigos planos para o alto e se assumir como contador de histórias. “As histórias são maneiras de entender e repassar o que se entende da vida, uma forma de passar adiante a verdade. Mesmo a ficção fala verdades. Nós somos personagens de uma história maior e também somos histórias em nós mesmos. Temos em nossa vida episódios cômicos e trágicos, como uma boa série de TV. Momentos tensos e de ação, como uma história em quadrinhos. Interessar-se por histórias é se interessar pela matéria-prima que nos faz humanos”, conclui.
Pedro esteve à frente do curso “Caminhos do Storytelling”, no Vila das Artes, onde esmiuçou os elementos da estrutura narrativa, como ação e personagens. Esta semana, ele ministrou a Oficina de Criação de Histórias, no Festival UFC de Cultura. Baseando-se em teóricos clássicos, como Aristóteles, e contemporâneos, como Joseph Campbell, em sala de aula ele repassa aos interessados por contação de histórias suas experiências como professor da Oficina de Quadrinhos da Universidade Federal do Ceará. “É a realização de dois sonhos: ser contador de histórias e ser professor, além da realização de ver tanta gente boa com vontade de produzir suas próprias histórias”, revela.
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Ilustração: Olaf Hajek |
Assim como todo herói sai em uma jornada com a ajuda de um mentor, a exemplo de Frodo e Gandalf, Luke e Obi-Wan ou Harry e Dumbledore, os alunos de Pedro podem encontrar nele uma espécie de “Morpheus” da contação de história. “Entregar na mão das pessoas ferramentas para produzir suas próprias histórias é algo mágico. Sinto-me como um tutor entregando um artefato mágico na mão do aventureiro. A partir desse encontro, ele vai percorrer sua própria jornada”, filosofa.
No Porto Iracema das Artes, Pedro também inicia mais outro projeto: o curso de Produção de Quadrinhos. O primeiro módulo será centrado na construção de roteiros. E para aqueles que têm boas histórias, mas não mandam muito bem no desenho, Pedro garante que saber desenhar não é pré-requisito para criar roteiros. Ele mesmo, por sinal, está longe de ser desenhista. Ao promover projetos como esses, o professor de storytelling tenta suprir uma carência de formação profissional na área. “O tecnicismo é onipresente nas escolas e as artes são deixadas de lado na formação. Se temos uma sociedade que preza enormemente pelo que é técnico, o artístico fica de lado. Cursos formativos de escritores e roteiristas acabam sendo vistos como perda de tempo”, lamenta.
O Brasil tem um mercado consumir crescente de histórias. No entanto, este consumo acaba sedo majoritariamente de produções estrangeiras. Em 2011, foi sancionada a Lei 12.485, que, entre outros pontos, determina a quantidade mínima de programação nacional que os canais pagos devem exibir semanalmente. “Um dos principais objetivos da lei é aumentar a produção e a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro, diversificado e de qualidade, gerando emprego, renda, royalties, mais profissionalismo e o fortalecimento da cultura nacional”, explica o site oficial da Agência Nacional do Cinema. Apesar disso, Pedro ainda é um pouco descrente dos efeitos positivos da medida. “Por causa da obrigatoriedade, as empresas vão atrás de quem for produzir mais barato, não o de melhor qualidade. Há mercado, mas precisa de boas pessoas para contar boas histórias”, afirma.
Por Aline Moura