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sábado, 23 de novembro de 2013

Arte de contar histórias

Ilustração: Olaf Hajek
Seja como forma de exorcizar demônios internos, fugir da realidade ou se perpetuar para além da existência material, todo bom contador de histórias não pode deixar de lado uma coisa chamada empatia. É ela que vai aproximar a narrativa do interlocutor. Como explicar a conexão que criamos com personagens como o robô Wall-e, o peixinho Nemo ou mesmo a Morte, narradora do romance “A menina que roubava livros”? Todos estes personagens foram construídos com características e sentimentos humanos, sejam eles bons ou ruins. Afinal, não nos envolvemos apenas com os mocinhos. Os antagonistas são a razão de uma história existir, pois o conflito é a base de tudo.

Contar histórias sempre esteve na moda. O ser humano sempre procurou ressignificar sua realidade através de narrativas, desde a época das pinturas rupestres. Da literatura ao videogame, uma história pode estar presente nos mais diversos meios e formatos. E não há aquele que não se deixe envolver por uma trama bem amarrada. No entanto, o que seriam das histórias sem os responsáveis pela sua perpetuação? No fundo, somos todos contadores de histórias, mas há sempre aqueles que colocaram essa função como ideal de vida.

É o caso do estudante de Publicidade e Propaganda Pedro José Brandão, que resolveu jogar todos os antigos planos para o alto e se assumir como contador de histórias. “As histórias são maneiras de entender e repassar o que se entende da vida, uma forma de passar adiante a verdade. Mesmo a ficção fala verdades. Nós somos personagens de uma história maior e também somos histórias em nós mesmos. Temos em nossa vida episódios cômicos e trágicos, como uma boa série de TV. Momentos tensos e de ação, como uma história em quadrinhos. Interessar-se por histórias é se interessar pela matéria-prima que nos faz humanos”, conclui.

Pedro esteve à frente do curso “Caminhos do Storytelling”, no Vila das Artes, onde esmiuçou os elementos da estrutura narrativa, como ação e personagens. Esta semana, ele ministrou a Oficina de Criação de Histórias, no Festival UFC de Cultura. Baseando-se em teóricos clássicos, como Aristóteles, e contemporâneos, como Joseph Campbell, em sala de aula ele repassa aos interessados por contação de histórias suas experiências como professor da Oficina de Quadrinhos da Universidade Federal do Ceará. “É a realização de dois sonhos: ser contador de histórias e ser professor, além da realização de ver tanta gente boa com vontade de produzir suas próprias histórias”, revela.
Ilustração: Olaf Hajek
Assim como todo herói sai em uma jornada com a ajuda de um mentor, a exemplo de Frodo e Gandalf, Luke e Obi-Wan ou Harry e Dumbledore, os alunos de Pedro podem encontrar nele uma espécie de “Morpheus” da contação de história. “Entregar na mão das pessoas ferramentas para produzir suas próprias histórias é algo mágico. Sinto-me como um tutor entregando um artefato mágico na mão do aventureiro. A partir desse encontro, ele vai percorrer sua própria jornada”, filosofa.

No Porto Iracema das Artes, Pedro também inicia mais outro projeto: o curso de Produção de Quadrinhos. O primeiro módulo será centrado na construção de roteiros. E para aqueles que têm boas histórias, mas não mandam muito bem no desenho, Pedro garante que saber desenhar não é pré-requisito para criar roteiros. Ele mesmo, por sinal, está longe de ser desenhista. Ao promover projetos como esses, o professor de storytelling tenta suprir uma carência de formação profissional na área. “O tecnicismo é onipresente nas escolas e as artes são deixadas de lado na formação. Se temos uma sociedade que preza enormemente pelo que é técnico, o artístico fica de lado. Cursos formativos de escritores e roteiristas acabam sendo vistos como perda de tempo”, lamenta.

O Brasil tem um mercado consumir crescente de histórias. No entanto, este consumo acaba sedo majoritariamente de produções estrangeiras. Em 2011, foi sancionada a Lei 12.485, que, entre outros pontos, determina a quantidade mínima de programação nacional que os canais pagos devem exibir semanalmente. “Um dos principais objetivos da lei é aumentar a produção e a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro, diversificado e de qualidade, gerando emprego, renda, royalties, mais profissionalismo e o fortalecimento da cultura nacional”, explica o site oficial da Agência Nacional do Cinema. Apesar disso, Pedro ainda é um pouco descrente dos efeitos positivos da medida. “Por causa da obrigatoriedade, as empresas vão atrás de quem for produzir mais barato, não o de melhor qualidade. Há mercado, mas precisa de boas pessoas para contar boas histórias”, afirma.

Por Aline Moura

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Eu veria os mais lindos filmes através dos seus trágicos olhos



Se os olhos são as janelas da alma, os de Lavínia estão semicerrados por grossas venezianas de um silêncio que ecoa mistério. Engana-se aquele que os observa e se acha capaz de entrever o que se passa no íntimo deles. Nem o próprio Cauby, protagonista do filme Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, consegue descobrir por inteiro o que está por detrás deles. O fotógrafo (e o espectador) forasteiro se vê diante de diferentes versões de Lavínia, à medida que o romance dos dois cresce com o passar dos minutos, das horas, dos dias, dos meses. Até que a vida de ambos começa a descer uma corredeira, como um dos muitos rios que cortam o ventre do Pará, alimentado pelo proibido, pelo prazer, pelo remorso, pelo amor, pelo perigo.

– Cauby, santa é a carne que peca, diria mais tarde Viktor Laurence, jornalista e amigo do fotógrafo, em uma agourenta premonição.


Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (2011), dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, é inspirado no livro homônimo de 2005, de Marçal Aquino, que, aliás, também é o responsável pelo roteiro da adaptação. Este é sétimo trabalho que nasce da parceria e da amizade de 20 anos entre Brant e Aquino. Pela mão de Brant, já foram à tela Os Matadores (1997), Ação Entre Amigos (1998) e O Invasor (2001), todos livros de Aquino. Os outros três filmes do diretor (Crime Delicado – 2005; Cão Sem Dono – 2007; e O Amor Segundo B. Schianberg – 2009) não foram baseados diretamente na obra de Aquino, mas também tiveram sua participação como roteirista. Já com Renato, Beto já vinha trabalhando desde O Invasor, sendo Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios o primeiro filme no qual dividem a direção.

O filme narra o romance tortuoso que nasce entre Lavínia, uma mulher cheia de histórias ocultas (e esposa de Ernani, um popular pastor e líder religioso), e Cauby, um fotógrafo vindo de São Paulo. Como pano de fundo, o cenário paradisíaco de uma cidade no interior do Pará, rachada pelas tensões entre ambientalistas e madeireiras ilegais.
Eis um dos pontos fortes do filme: apesar de o foco se mantém prioritariamente sobre o triângulo amoroso, Brant e Ciasca conseguem também imprimir um teor político. Durante as gravações do filme, os índios de Santarém estavam denunciando a extração ilegal de madeira em áreas de conflito. Esse foi o gatilho que fez a equipe se interessar pelo tema e conversar com lideranças da região. A dupla de diretores, então, inseriu no longa cenas que dialogam com as disputas ambientais presenciadas. Exemplos disso é a pregação que o pastor faz em defesa da preservação das matas e dos rios e o discurso de um ativista contra “um governo que na verdade é mais latifundiário que os madeireiros” e contra “um plano de manejo de destruição” da floresta. Tudo isso sem desviar ou destoar do romance narrado.

Outro aspecto que chama atenção é a influência da cultura paraense, por meio das cores, das moradias, da trilha sonora, da iluminação, dos costumes e mesmo da culinária. Ao mesmo tempo em que o ambiente, os elementos cênicos e os sons refletem as belezas do Pará, eles são articulados de tal maneira a criarem também uma aura de mau presságio que paira constantemente no ar, contribuindo para um crescente suspense insuflado no ânimo de quem assiste.

Gero Camilo no papel de Viktor Laurence,
jornalista de língua ferina 
Tudo isso se transforma em características secundárias frente à incrível complexidade psicológica de que são dotados os personagens, graças ao roteiro e às interpretações dos atores. Gero Camilo dá um tom de malícia venenosa a Viktor Laurence até nos movimentos corporais, assemelhando-o a uma peçonhenta serpente, de língua e palavras afiadas. Já Magnólio de Oliveira consegue fazer um palhaço amigo que esconde sob os sorrisos um quê de alerta, enquanto Zécarlos Machado interpreta um Ernani eloquente e persuasivo nos discursos feitos aos fiéis. Até mesmo Gustavo Machado, criticado por alguns pela atuação fria, consegue passar o espírito de galanteador do personagem Cauby.

Deles, porém, é nítido o brilho que a enigmática Lavínia e a poderosa interpretação de Camila Pitanga adquirem. A atriz consegue encarnar diferentes facetas de uma mesma personagem sem nunca perder a unidade, mesmo com as enxurradas de transformações que invadem a vida de Lavínia. Camila dá a ela um semblante sensível, sensual e agressivo, deixando à mostra as cicatrizes guardadas no peito de uma mulher que muito sofreu e que ainda muito sofrerá.


Em diversas situações, Lavínia se encontra presa a uma situação em que há uma vontade mista de permanência e de fuga (seja naquela que vivenciou no Sudeste, seja na que vive no Norte). Entre um amor piedoso oriundo de uma profunda gratidão e uma paixão lascívia embalada em um sonho antigo, Lavínia se faz perder e reencontrar nas águas escuras que são seus sentimentos. Porém, sempre é dela a palavra-ação capaz de se aprisionar ou de se libertar.

O filme traz em si uma carga erótica muito latente, visível desde a abertura, em que uma modelo nua posa para a câmera oculta de Cauby. A sensualidade tratada ali no filme não remete a uma perspectiva isenta de gêneros. É o erótico dos corpos femininos visto através de olhos masculinos. Uma visão que parte da masculinidade, sem cair, necessariamente, na caracterização machista. Além disso, o erótico e o perigo são constantemente costurados em um só, como na cena em que Cauby e Lavínia brincam de pintarem sua nudez com pincéis encharcados de tinta, imaginárias flechas venenosas lançadas na guerra entre índios rivais.

Em sintonia com os nãos e os sins de mistério que circundam Lavínia, elipses ambíguas marcam todo o percorrer do filme, mais escondendo e embaralhando do que explicando os fragmentos narrativos. No último ato, um corte brusco no tempo deixa muitas perguntas gravitando num vazio. O espectador, na companhia da própria Lavínia, se pergunta o que foi feito dela e se ela ainda existe. Até que um chamado ressoa e um sorriso inquietante se desenha. E os olhos do interlocutor sorriem, mesmo sem visão. Mesmo sem final.

domingo, 11 de agosto de 2013

Entre dois mundos e dois tempos: um duelo

Ao fundo, um som de mar abraça o palco gigantesco montado em todo o andar inferior do Theatro José de Alencar (TJA). O marulho acompanha o movimento ondulante da lona negra nas mãos dos atores, enquanto o público, instalado nos camarotes, debruça-se nos balcões como em grandes janelas, a curiar o vai e vem da vida dos personagens. O farfalhar do plástico, casado à sonoplastia, lembra a trilha sonora de uma orla, cenário tão familiar nosso, ao mesmo em que remete a um mar negro que em tanto se distancia do mar verde que nos banha. O duelo começou.

***

Dando sequência às adaptações de romances russos, a mundana companhia (assim mesmo escrito, em minúsculas, com o adjetivo anteposto ao substantivo), de São Paulo, monta o seu sexto espetáculo numa lógica inversa daquela geralmente presente em companhias do eixo RJ-SP. Desde o dia 02 de agosto, até este domingo (11), está em cartaz no TJA a peça O Duelo, encenação da novela russa de Anton Tchekhov, cuja estreia nacional acontece em Fortaleza para, depois, partir para outras cidades do Nordeste até chegar à capital paulista.

Porém, antes mesmo das primeiras apresentações em Fortaleza, o público de três cidades do interior do Ceará pôde acompanhar o processo de criação do espetáculo. A companhia decidiu viajar por quase dois meses pelas cidades de Arneiroz, Iracema e Lavras da Mangabeira. Esta última é a cidade natal do ator Aury Porto, idealizador da peça e um dos fundadores da mundana companhia, servindo para ele como inspiração. Foi a partir da própria história de Aury que veio a ideia de aproximar o calor e a vida do Cáucaso à quentura e à rotina de pequenas cidades do Nordeste. Confira abaixo a conversa que tivemos com Aury sobre a ideia da peça e os próximos projetos da companhia:



A obra de Tchekhov, escrita em 1891, relata o cotidiano de personagens que moram em um calorento e pequeno lugarejo caucasiano, mas que anseiam por uma Rússia de clima mais ameno e de (suposta) efervescência cultural. No centro do romance, está Ivan Laiévski, um funcionário público que fugiu de São Petersburgo com Nadejda Fiódorovna, já casada com um outro homem. O comportamento do casal desafia as regras socialmente estabelecidas e provoca reprovação por parte dos moradores, quer seja de maneira mais translúcida, como no zoólogo Von Koren, quer seja de maneira mais camuflada, como em Maria Konstantínovna, “amiga” de Nadejda. A vida de Laiévski e Nadejda então passa a ser serrada por duelos: em seus íntimos, entre si, entre eles e os moradores. Até que Von Koren desafia Laiévski para um embate derradeiro.

Durante as três horas e meia de espetáculo (com 15 minutos de intervalo), uma variedade de elementos consegue prender a atenção do público e evitar um pouco o cansaço. A música se faz presente durante toda a peça, enquanto a iluminação e a sonoplastia amplificam a beleza das cenas. Materiais do cotidiano ganham outras cores e significados no palco. Em um momento, Nadejda se refresca nas águas do mar e brinca com um imenso saco plástico, que se transforma em uma bolha onde pode imergir para longe das dívidas e das febres costumeiras que lhe acometem. Em outro, uma chuva de fitas de papel gravita na tensão de relâmpagos e trovões de uma tempestade que chega à cidade, enquanto um redemoinho toma conta de Nadejda e da vida dos demais personagens.

Apesar de se passar no contexto europeu do século XIX, muitos elementos cênicos remetem diretamente à cultura cearense, como instrumentos musicais, chinelos de couro, cadeiras de balanço, além do próprio calor inclemente do sol e do barulho suave do mar. No tablado, não há somente o duelo de entre as ânsias particulares dos personagens e as expectativas sociais que conseguem ou não atender. Ali, chocam-se dois mundos separados por espaço e tempo, que se casam e se digladiam em constante movimento. Ou melhor, embatem-se duas realidades sociais: Cáucaso X São Petersburgo, Ceará X São Paulo, Nordeste X Sudeste, a dita “periferia” versus o dito “centro”. Talvez seja por isso que este texto de Tchekhov se mantenha tão vivo e consiga se conectar tão diretamente ao contexto brasileiro.

***

O embate chega ao fim. As ondas do mar, por ora tão esquecidas, prevalecem após tantos acontecimentos. É o som da natureza que suplanta as arrogâncias e as vaidades humanas. A lona negra agita-se, prolonga-se. Não há mais Laiévski, Von Koren, Nadejda, Konstantínovna, Samóilenko, Diácono, o desfile de personagens. Em vez disso, surgem em cena Aury, Pascoal, Camila, Carol, Vanderlei, Freddy, o elenco. As ondas precipitam aos poucos no tablado, enquanto os atores as perseguem e delas fogem, como em uma brincadeira entre amigos numa praia durante o tempo livre. Até que uma gigante maré os engole e os leva para sempre ao fundo do Mar Negro. Tudo se faz escuridão. Mas o duelo ainda não terminou.

Serviço

Espetáculo O Duelo, da mundana companhia
Duração: 3h30.
Local: Theatro José de Alencar.
Apresentações: Às 19h, até hoje, 11.
Ingressos: R$ 20 a inteira, R$ 10 a meia.



Para saber mais, acesse o blog da peça, o site e a página no Facebook  da companhia.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Vazios que povoam a vida


Foto: Tamara Lopes
Na entrada do cemitério São João Batista, um grupo de pessoas se aglomera. São quatro horas da tarde. A luz do sol ainda está forte, mas começa a se decompor em amarelo. Um prenúncio de sua morte, marcada para poucas horas ali adiante. Uma moça, sentada a uma mesa coberta por toalha de rendas brancas, recolhe nomes que, por ventura, alguém quisesse abençoar. Dou-lhe o nome de minha mãe. “O que você deseja pedir a ela?”. “Paz”. Minutos depois, ao toque de uma sineta, ela lê a lista dos mortos. Com surpresa, ouço reverberar o de minha mãe entre as falecidas, por mais que, poucas horas atrás, eu houvesse lhe dado um beijo antes de sair de casa. Outro espectador converte surpresa em risada ao saber da notícia sobre sua própria morte durante um voo pra Rondônia.

Assim se inicia a peça Além dos Cravos, do grupo teatral Em Foco. O enredo não trata de qualquer história específica. Antes disso, costura com a linha da teatralidade trechos narrativos às vivências dos espectadores. Sim, esta não é a típica peça interpretada no palco italiano, em que há a clara divisão entre os atores e o público. Em Além dos Cravos, todos acabam sendo protagonistas e ao mesmo tempo espectadores ante o tema comum a qualquer ser humano: a efemeridade da vida. 
Foto: Tamara Lopes
Mercantilização da morte, suicídio, saudade dos entes amados, dores lancinantes, resignações serenas. Tudo isso tratado com muita sensibilidade e, em momentos certos, com um toque de humor. A cada cena, questionamentos são plantados e nos fazem rever relação que temos com a morte. Por que vivemos numa sociedade que idolatra tanto a vida e se silencia sobre a morte? Por que esquecer aquilo que não se pode apagar? Quando nos vamos "para o outro lado", realmente “vamos”? Ou viramos fantasmas sentados nos túmulos, observando a vida passear? 

Os diversos elementos cênicos traduzem a suavidade e a delicadeza com que o tema é tratado. Coroas de flores pairam sobre as cabeças dos atores ou botões de violetas de plástico se enroscam em suas roupas. Os tons lilases do figurino amenizam o preto e branco dos trajes e das galochas. Mesmo a morte, caracterizada como homem, materializa-se em gazes que dão leveza aos movimentos. A água, utilizada em várias cenas, ora corre, ora se represa, transformando-se em ponte fluida entre os vivos e os mortos.

Nas ruas do cemitério



Foto: Tamara Lopes
O ambiente inusitado é outro atrativo. Não só pela beleza do São João Batista (nunca antes conhecida por mim), mas pela própria aura de mistério que ronda o lugar. As cenas transcorrem em uma das tantas “ruas” que cortam o ventre do cemitério, prenhe de mausoléus luxuosos que dividem espaço com lápides mais singelas, empalidecidas pelo tempo. No cortejo que se forma com a peça, vemos vidas passadas traduzidas em cruzes, datas, flores, cimento. O vento corre e sacode as árvores com um murmúrio. Entre uma lápide e outra, "fantasmas" contemplam os vivos em procissão.


Aliás, atuar em “palcos” nada convencionais é a proposta de pesquisa do Em Foco. Além dos Cravos é o terceiro espetáculo do grupo, que desde 2009 já montou Preciso dizer que te amo, Jardim das Espécies e algumas outras esquetes e performances. No cerne de cada trabalho está o relacionamento direto com o público, que deixa o voyeurismo de lado e se envolve com aquilo que é apresentado. Em Além dos Cravos, o público é convidado compartilhar de memórias sobre a morte. Até os atores se abrem um pouco e inserem na interpretação lembranças próprias.

Por isso, essa relação até se complica quando há um grande número de espectadores (como na apresentação em que fomos) e muitos detalhes das cenas se perdem. Mas sempre é bonito ver a quantidade crescente de pessoas abertas ao teatro. Não foi raro perceber, mesmo entre uma distração e outra do público, pessoas se emocionando e/ou compartilhando dos sentimentos das falas.

O sol vai se pondo. E nós, em cortejo, perseguindo até a última luminosidade, chegamos aos fundos do cemitério. Como a vida, aos poucos, a tarde vai se desfazendo e dá últimos suspiros. Com giz, o público é convidado a deixar um recado final gravado no chão. É aí que refletimos principalmente sobre os nossos próprios entes queridos que já morreram. Como estarão? Devemos preservar o vazio deixado por eles? Ou devemos alimentar o oco com as lembranças que nos são tão caras? Pensamentos que ecoam durante a caminhada de volta para a entrada e que não encontram respostas definitivas, enquanto observamos as flores e a poeira dos túmulos que ali permanecem.

Foto: Tamara Lopes

Serviço
Para os que ficaram curiosos, este final de semana será o último de apresentação de Além dos Cravos. A temporada da peça se encerra neste sábado (27/07) e domingo (28/07), às 16 horas, no Cemitério São João Batista (R. Padre Mororó, 487 – Centro). A entrada é gratuita. Para conhecer mais sobre o grupo, visite a página do grupo no Facebook. Para conhecer um pouco mais sobre a história do Cemitério, confira no blog Fortaleza Nobre.

domingo, 13 de janeiro de 2013

O pop rock reinventado de General Elektriks


Uma batida de pop rock, com timbres retrô, com o arranjo de teclados, clavinetes e sintetizadores, com toque de funk, hip hop e música eletrônica. Tudo isso com sotaque francês.

Estou falando do projeto General Elektriks, do pianista francês Hervé Salters. Ele iniciou o processo de construção das músicas em San Francisco, em 1999. A grande ideia foi misturar ritmos, acentuando o caráter vintage. Inspirado em Stevie Wonder, além de tocar super bem, Hérve também gosta de ser um tanto performático em suas apresentações.
O que conquistou mesmo foi a energia do projeto, de uma banda bastante competente e diferente. Outro membro do General que deve ser mencionado é Jessie Chaton. O baixista, também parisiense, faz umas danças muito engraçadas enquanto está tocando.
Em pouco tempo de carreira, Hérve já tocou com importantes nomes da música negra, a qual também Femi Kuti (filho de Fela Kuti, instrumentista nigeriano famoso nos anos 70) e o grupo de hip hop californiano Blackalicious.

Já são três álbuns na carreira: Cliquety Kliqk de 2003, Good City for Dreamers de 2009 e, o mais recente, Parker Street de 2011. E nada melhor que escutar os clipes dessa banda para ter certeza de que é muito boa!


Confira o vídeo do single:




E eis uma das minhas músicas favoritas: